Uma Comunidade Terapêutica para DependentesQuando a família desconfia que o filho esteja usando drogas, normalmente já faz três ou quatro anos que ele vem consumindo-as.| Colaboradores | Dependências | |
Em Taquaritinga – SP, existe uma comunidade terapêutica que se ocupa de dependentes químicos masculinos. O desempenho do Horto de Deus
– como é chamada a comunidade - pode mudar o conceito de muita gente
sobre a eficácia desse tipo de tratamento para um diagnóstico tão
sombrio para a psiquiatria.
Os psiquiatras clínicos sabem das enormes dificuldades no tratamento da Dependência Química,
e esses acanhados resultados talvez sejam tão frustrantes devido à
enorme quantidade de variáveis que contribuem, negativamente, para o
assombrante insucesso do tratamento ambulatorial.Sem dúvida, tanto para questões de alcoolismo, quanto da dependência da cocaína, conseqüência quase obrigatória do primeiro, uma das variáveis mais danosas é o apelo cultural para o consumo de bebida alcoólica. Notadamente para o jovem, tem sido quase depreciativo recusar tomar “uma cervejinha” com seus pares. O perigo da “inocente cervejinha” é que em seguida vem outra, outra e mais outra ... e assim por diante. Logo em seguida vem a vulnerabilidade ao uso da cocaína.
Talvez um perigo maior ainda, é que o dependente químico nunca se considera dependente de fato. Ele acha, e continuará achando a vida toda, que pode parar na primeira “cervejinha”. Assim, o absoluto afastamento do ambiente social onde o dependente sorve sua droga e seu álcool é imperiosamente indispensável. E não é questão de um mês ou coisa assim.
Outra variável comprometedora é a atitude de negação do problema pela família, que “não sabe de nada” até que a gritante evidência dos fatos remova essa espécie de cegueira familiar. Aí vem mais uma crença falsa; a convicção de que seu dependente é diferente de qualquer outro e superará a dependência consultando um psicoterapeuta uma vez por semana, saindo só aos sábado, praticando um esporte qualquer e mil outras alternativas completamente irrelevantes diante da magnitude do problema.
Motivados pelos resultados dessa comunidade terapêutica e acompanhando de perto esse trabalho, entrevistamos seu diretor de tratamento, sr. Léo de Oliveira, pessoa de grande e inestimável experiência nessa atividade.
Abaixo uma entrevista com o Sr. Léo de Oliveira, na coluna da esquerda, uma mensagem sobre seu trabalho. Finalmente, o depoimento sincero de um jovem egresso do Horto de Deus.
PsiqWeb – Primeiramente, o sr. se refere ao usuário abusivo de substâncias ilícitas como Dependência, Vício, Compulsão ou outro nome?
Sr. Léo - Dependência Química.
PsiqWeb – O Sr. considera isso (Dependência Química ) uma doença, uma predisposição ou uma ocorrência circunstancial?
Sr. Léo - De acordo com a CID 10 é considerada uma doença. Na visão da maioria das comunidades terapêuticas, existe uma predisposição genética ao uso de substâncias psicoativas, predisposição esta em estado latente variando de indivíduo para indivíduo, alguns rapidamente apresentam o quadro, que chamo de despertar químico, é quando existe alteração nos receptores das células clamando pelas substâncias, tornando o jovem compulsivo. Em alguns o despertar químico é lento, levando até 10 anos de uso para acontecer o despertar, existindo também casos em que no usuário não acontece o despertar químico, tornando-se mais fácil abandonar o álcool e outras drogas. Já no usuário que acontece o despertar químico, dificilmente sairá do quadro sem um tratamento.
PsiqWeb – Quais atitudes que a família deve ter ao confirmar o uso de drogas?
Sr. Léo - Infelizmente quando a família começa a desconfiar que o filho esteja usando drogas já faz três ou quatro anos que ele vem consumindo sem que a família perceba, em outras palavras, a doença já se encontra instalada. A família deve encarar a realidade, sem pânico, sem sentimento de culpa, sem acusações mútuas, discutir o problema para que todos falem a mesma língua, buscar, o mais rápido possível, ajuda profissional e no caso de existirem médicos ou psicólogos na família, não tentar terapias com estes profissionais para evitar que o procedimento técnico seja misturado com o afeto familiar o que resultará, sem dúvida, no fracasso do tratamento.
PsiqWeb – A dependência química (álcool e/ou drogas) tem cura?
Sr. Léo – Não. Mas seu controle, uma vez que o problema está contido nos genes, requer abstinência para o resto da vida. Inclusive, existem casos de recaídas pós-cirurgia, onde a anestesia utilizou-se de opiciáceos e derivados, os quais podem ter ativado os sensores da memória biológica e em conseqüência a volta ao uso de drogas
PsiqWeb – A internação é o único meio de garantir a abstinência necessária para o tratamento?
Sr. Léo - A complexidade da dependência química e o sucesso de uma recuperação não dependem de profissionais especializados na área e, sim, única, exclusiva e indispensavelmente, da vontade do próprio paciente. Quando ele decididamente quiser, todos os tratamentos funcionam. Se as várias terapias conseguirem manter a continuidade e a qualidade da recuperação, evidentemente a persistência neste procedimento poderá levar a uma recuperação. Entretanto, se as recaídas forem freqüentes, num espaço semestral, aí sim se faz necessário uma intervenção psiquiátrica e posteriormente uma internação em comunidade terapêutica, as quais normalmente adotam o método holístico da trindade humana: mente, corpo e espírito.
PsiqWeb – Depois de um longo período de abstinência em regime de internação, o que a pessoa deve fazer para não invalidar o tratamento? E a família, que atitudes deve tomar durante e depois do tratamento do dependente?
Sr. Léo - No caso específico da comunidade terapêutica Horto de Deus, existem algumas normas no pós-tratamento, exemplos: o ex-interno deverá passar Natal, Ano-Novo e Carnaval nas comemorações realizadas pela comunidade terapêutica; retornar, pelos menos, a cada dois meses, no mínimo, um final de semana para solidificar os alicerces do tratamento.
No convívio com a sociedade, escola, trabalho, etc. deverão evitar situação de risco, festinhas, baladas, churrascos e outros, mesmo no ambiente familiar, uma vez que o álcool faz parte dos costumes e da cultura da família, inclusive em festas de criança. Isso tudo porque a dependência do álcool, seguramente, levará ao uso de drogas. Falando ainda da Família, é bom lembrar que para cada dependente existem, no mínimo, quatro co-dependentes e apenas 2 se tratam e dois permanecem doentes.
O dependente após o tratamento volta para casa cheio de sonhos, entretanto bastante inseguro, pois é um ser reaprendendo a viver em sociedade. A família deve dar continuidade nos grupos de apoio, a relação deve ser transparente, conversas francas e atitudes de continuidade do tratamento, sem cobranças do passado ou desconfianças infundadas sobre recaídas, o limite é a melhor resposta, o dependente é como um passarinho na mão, se apertar muito o mata sufocado, se abrir a mão, ele voa para longe de você.
PsiqWeb – Quais as possibilidades de sucesso no tratamento para dependência, se a pessoa insiste em achar que pode parar "na hora que quiser" e permanecer em sua casa e no mesmo ambiente social?
Sr. Léo - Não existe possibilidade de sucesso quando o dependente químico se recusa a aceitar a dependência química como doença. Deve ser conscientizado que está com problemas, que necessita de ajuda e que a família não pode tolerar a situação incômoda para ambos. De comum acordo os familiares devem impor regras rígidas para que ele permaneça no ambiente familiar, punir toda vez que fizer uso da substância, tais como: cortar mesada, viagens, tirar o carro, punições que levem a uma reflexão de que não vale a pena usar drogas.
PsiqWeb – Quais são os indícios de que algum familiar pode estar usando drogas?
Sr.Léo - Mudança brusca de comportamento: Introspecção, isolamento, linguajar chulo, troca do dia pela noite, emagrecimento, pensamentos confusos, falta de motivação para concluir qualquer projeto iniciado (trabalho, estudo, etc.), mentira, arrogância, manipulação, culpar outras pessoas pelos seus problemas, baixa auto estima, mudança de grupos de amigos (o dependente só tem afinidade com quem também usa drogas), agressividade com palavras, imediatismo e baixíssima resistência a frustrações. Estes são os principais indícios.
PsiqWeb – Quais são as dificuldades para o tratamento?
Sr. Léo - Em primeiro lugar é o posicionamento da família, pois desconhecendo a importância do problema, ignorando existir uma doença progressiva, pensa que o seu familiar é diferente dos demais usuários de drogas existentes no planeta e fica protelando uma tomada de decisão firme para induzir o dependente químico ao tratamento, ou ainda, fazem como avestruz, enfiam a cabeça num buraco para não ver o problema.
O dependente por sua vez está completamente apaixonado pela droga, como convencê-lo de que está doente se ele retira um enorme prazer das substâncias psicoativas ou mesmo do álcool?
Por isto o tratamento deve sempre começar pela família, recebendo orientação de forma correta sobre co-dependência, rompendo com isto uma simbiose (organismos dessemelhantes com comportamentos semelhantes). Quando a família unida diz “não” ao uso de álcool e outras drogas com convicção que não tolerará este tipo de comportamento em casa, é neste momento que o dependente químico começa a pensar em se tratar.
PsiqWeb – Quanto tempo de abstinência é necessário para se falar em cura? Ou devemos falar em controle?
Sr. Léo - Não devemos falar em cura porque ela não existe. Um simples copo de cerveja, uma dose de uísque, uma caipirinha pode fazer com que o vulcão químico adormecido entre em erupção e coloque tudo a perder. Somente os anos de total abstinência faz com que o dependente não sinta mais a necessidade do uso. Dentro da minha experiência de quase três décadas, tratando dependentes químicos, este tempo de normalização da expectativa química, gira em torno de sete a oito anos. Ao atingir oito anos de abstinência é mais difícil ter uma recaída, entretanto não é impossível, pois o dependente químico deve policiar suas emoções pelo resto de sua existência.
PsiqWeb – O que o sr. aconselha para as pessoas visivelmente dependentes, mas que insistem em dizer que não o são e, principalmente, que dizem "poder parar quando querem".
Sr. Léo - É uma característica da dependência química a não aceitação da doença por parte do usuário, a família com regras muito claras deve exigir que ele pare, que tente provar que para quando quer, assumindo um compromisso que se não conseguir parar, aceitará um tratamento, o máximo que ele vai conseguir é 60 dias sem uso, vindo a recaída a família deve exigir o tratamento.
PsiqWeb - Quando o dependente não aceita a necessidade de tratamento e insiste em não se tratar, o que o sr. aconselha para a família
Sr. Léo - É regra o dependente não aceitar o tratamento, mesmo quando nos momentos de lucidez, de forma sutil, ele pensa em parar de usar, mas forças químicas poderosas no seu organismo impedem o avanço em direção a um tratamento. A maior autoridade de uma família são os pais e às vezes se faz necessário representar o papel de padrasto e madrasta para chacoalhar um organismo intoxicado e um espírito prisioneiro das sensações provocadas pelo consumo.
Quando o dependente ultrapassa todos os limites toleráveis, colocando em risco a sua própria vida ou a vida de terceiros ou ainda, colocando a família em situações ridículas não resta alternativa senão a internação compulsória para tirá-lo do quadro perigoso que se encontra e tentar convencê-lo a aderir a um tratamento mais adequado.
http://www.hortodedeus.org.br/
drogastratamento@hortodedeus.org.br
Telefones: (16) 3252-2433 / 3252-9116
Um depoimento de dependente químico egresso do Horto de DeusPara muitas pessoas a minha história é só mais um “clichê”, para mim é a minha vida.
Meu nome não importa e minha idade é de 30 anos. Durante mais ou menos 13 anos percorri um caminho que eu achava sem volta. O caminho da ilusão das drogas.
Como sempre e, acredito que para sempre, minha vida será cheia de dúvidas. Mas hoje minhas dúvidas não são sobre o que fazer, no que acreditar, minhas dúvidas são como posso fazer sempre o melhor, o mais correto independente do que seja.
Do álcool à cocaína perdi tudo que eu mais valorizava na vida. Minha família, meus amigos, minhas namoradas, meus poucos empregos meus estudos. De forma lenta e trágica as drogas e meu comportamento foram minando o caminho que eu estava cruzando.
Todos os meus valores, ainda não muito bem formados aos 17 anos se distorceram e me transformaram naquilo que hoje eu mais desprezo.
Sempre acreditei que para “me dar bem” na vida era preciso viver intensamente o dia de hoje e o amanhã era só amanhã.
Claro que eu estava errado! É preciso ter planos e sonhos que se pode alcançar, é preciso estar bem hoje para estar melhor amanhã. É preciso disciplina, ou seja, cumprir uma meta na mais perfeita ordem.
Preso a matéria conquistei amizades imundas que me ofereceram respeito através do medo. Tanto minha família tinha medo do que eu era capaz de fazer com eles, como meus “amigos” me respeitavam “medonhamente”. Mas o que me importava era ter e não ser.
Quanto chegou o meu “fundo do poço” (cada dependente químico tem o seu) que para mim foi ter perdido o controle da minha vida procurei ajuda das pessoas que eu menos merecia apoio, pelas mágoas que causei: da minha família.
Foi aí então que eu conheci a comunidade terapêutica, o Horto de Deus em Taquaritinga.
No começo não queria ir como 90% dos internos. O motivo das internações no início do tratamento, nunca é para nós mesmos, e sim por causa da família. Falei no início porque com o passar do tempo percebi que se não fizesse por mim mesmos isso não funcionaria. Já é muito difícil fazer por nós mesmos, pelos outros é impossível!
Lá no Horto aprendi que o maior problema do dependente químico é a distorção do caráter. Isso envolve todos os nossos valores, tanto materiais como espirituais.
O tratamento me ensinou que para crescer é preciso mudança para um novo estilo de vida: o da sobriedade. Os quatro pilares que hoje pratico para me sustentar nesta luta são: a Conscientização da Doença, a Laborterapia (amor ao trabalho), a Disciplina e a Espiritualidade.
Foram oito meses praticando a mudança (que não posso parar jamais) e descobrindo o caminho para me manter sóbrio. Claro que ainda tenho muita dificuldade, mas hoje eu sei para qual direção devo seguir, sei o que devo fazer ou o que não devo fazer.
Muitas dores me acompanharam durante esse tempo. De todas, a pior foi o arrependimento. Não o arrependimento de ter me internado, mas das coisas que fiz ou das que deixei de fazer. O tempo e a espiritualidade me ensinaram e me ajudaram a superar. Percebi que minha realidade era irreal, meus valores eram falsos e que tinha perdido o controle da minha vida, principalmente, o que hoje é para mim o mais importante: minha Dignidade.
Hoje, há quase nove meses “limpo” sei o verdadeiro valor dos meus sentimentos, sei que minha felicidade não cabe dentro de um copo ou de uma carreira de cocaína. Sei que as pessoas podem mudar, sei que eu posso ser uma pessoa melhor comigo mesmo e com as pessoas que mais amo.
Minha vida começa agora. Meu futuro está sendo transformado por mim e por Deus, pois, Deus quer e ajuda, mas é preciso ação da nossa parte. É preciso PRATICAR A MUDANÇA todos os dias!
É incrível, a sobriedade está sendo a maior loucura que estou fazendo na minha vida. E se eu pudesse daria um pouco dela para você usuário. Sei que minha luta está começando agora, sei que é difícil, mas não impossível. Estar sóbrio não é simplesmente “tampar a garrafa e apagar o baseado”, mas sim mudança de comportamento, atitude, valores, é corrigir os defeitos de caráter.
Procure ajuda das pessoas que te amam de verdade, confie em Deus e principalmente, confie em VOCÊ. Uma frase muito usada na comunidade é: “Se eu consigo você também consegue!”.
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